Entenda o projeto de Lei que pretende mudar a definição de trabalho escravo no Brasil e nos ajude a
Projeto de lei 432/2013, em tramitação no Congresso, é uma tentativa de revisar a legislação para reduzir as hipóteses do que pode ser considerado trabalho escravo no Brasil. Para as Nações Unidas, o projeto pode aumentar a impunidade e é um retrocesso frente a avanços obtidos pelo país nesse tema, recomendando a rejeição da proposta e a reativação de iniciativas como a “Lista Suja” do trabalho escravo.
Entre 1996 e 2013, mais de 50 mil trabalhadores explorados em condições análogas à escravidão foram libertados no Brasil. No entanto, em 2016, não há sequer um responsável pelos crimes preso. Nenhum dos poucos condenados cumpriu pena até o fim.
Enquanto isso, a bancada ruralista questiona a atual definição de trabalho escravo do Código Penal, ainda que ela seja elogiada por órgãos nacionais, como o Ministério Público do Trabalho, e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Os congressistas a favor da mudança do texto atual argumentam que uma definição mais específica do que é trabalho escravo vai garantir que inocentes permaneçam livres e os culpados sejam realmente punidos.
Em 1888, com a Lei Áurea, o trabalho escravo formal se tornou ilegal. Hoje, o que chamamos de trabalho análogo à escravidão não define apenas atividades em que o trabalhador não recebe salário ou trabalha obrigado, como era o caso das relações de exploração do Brasil colonial e imperial.
Atualmente, estão previstas no Código Penal Brasileiro quatro modalidades de trabalho análogo à escravidão: trabalhos forçados, jornada exaustiva, trabalho em condições degradantes e servidão por dívidas:
"CP - Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I - contra criança ou adolescente;
II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)".
O texto da lei ampara bem os trabalhadores brasileiros: não é um conceito frágil ou abrangente demais. Além disso, a Organização Internacional do Trabalho e o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas consideram boa a definição usada pelo Brasil. Reforça o aparato legal relativo ao tema o fato de que a Declaração Universal de Direitos Humanos e a Constituição Federal contém artigos que repudiam o trabalho em condições análogas à escravidão, direta ou indiretamente. Na Constituição Federal Brasileira, o artigo 1º garante a dignidade da pessoa humana e no artigo 5º diz que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
Em 1995, o Brasil se tornou um dos primeiros países do mundo a reconhecer a existência de trabalho escravo. Desde então, até 2014, cerca de 50 mil trabalhadores em condições degradantes foram resgatados.
Apesar das políticas públicas de combate ao trabalho escravo reconhecidas internacionalmente, especialistas temem que legislação caminhe para um retrocesso.
Está em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei que pretende mudar esta definição, retirando as condições degradantes do rol de situações que configuram trabalho escravo no Brasil.
Em 2014, a proposta com a nova definição foi aprovada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural do Senado. O projeto ainda está em tramitação e precisará ser votado por outras duas comissões e pelo plenário.
A Ministra da Agricultura, Katia Abreu (PMDB-TO), é a favor da mudança. De acordo com uma declaração dela de 2013, quando era senadora, uma definição mais explícita evita injustiças contra trabalhadores rurais e também contra trabalhadores que "de fato forem maltratados ou escravizados". Outros congressistas, como o senador Romero Jucá e Moreira Mendes(PSD-RO), concordam que a definição atual é muito vaga e subjetiva.
Nesse contexto, diversas organizações se mobilizaram para impedir que isso aconteça e surgiram campanhas como a #Somoslivres e o Manifesto contra o retorno à escravidão.
http://www.clinicatrabalhoescravo.com/#!abaixo-o-pls-432-e-o-pl-3842/cuwc
Linha do Tempo
1995 O Brasil se tornou um dos primeiros países do mundo a reconhecer a existência de trabalho escravo diante da Organização das Nações Unidas.
1997 Criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, coordenado por Auditores do Ministério do Trabalho, responsável por visitar locais denunciados e libertar trabalhadores.
2002 Aprovação da medida provisória que garante seguro desemprego para o trabalhador libertado de situação análoga à escravidão.
2003 O artigo 149 do Código Penal foi modificado para garantir a definição de ‘trabalho escravo contemporâneo’. A partir daí, trabalho forçado, servidão por dívidas, jornadas exaustiva e condições degradantes passaram a fazer parte da definição.
A Lista Suja, cadastro com nomes de empregadores que foram flagrados usando trabalho escravo, é criada.
2010 Empresas que fizeram uso de trabalho escravo ficam proibidas pelo Conselho Monetário Nacional de contratar crédito rural.
2012 Em São Paulo, a Assembleia Legislativa aprova uma lei que cassa o registro de empresas que usem trabalho escravo e proíbe sócios de abrirem outra empresa no mesmo setor por 10 anos.
2014 A PEC 81, do Trabalho Escravo, que confisca propriedades rurais e urbanas nas quais há flagrante de trabalho escravo, é aprovada.
O Supremo Tribunal Federal suspende a Lista Suja através de liminar. De acordo com o STF, a lista é inconstitucional.
2015 A Lista Suja volta a ficar acessível através de pedido via Lei de Acesso à Informação.
A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento Desenvolvimento Rural aprova a PL do deputado Moreira Mendes (PSD-RO), que pede a mudança na definição de trabalho escravo.
2016 A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados avalia outro projeto de lei, esse do senador Romero Jucá, que também muda a definição de trabalho escravo e a torna mais branda.
Fonte: somoslivres.org; Código Penal Brasileiro; Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da UFMG; https://www.nexojornal.com.br/explicado/2016/04/12/O-trabalho-escravo-%C3%A9-uma-realidade-no-Brasil.-E-n%C3%A3o-h%C3%A1-uma-pessoa-presa-por-isso